danielle a.
O Natal. O Natal desse ano veio como quem não quer nada. Chegou devagarzinho, acendendo uma luz aqui e outra alí na frente das casas, pintando um muro, trocando uma janela, podando uma árvore. Quando ví, desejaram-me um feliz natal e olhando pros lados a rua já tava cheia de carros amontoados, parecendo um estacionamento do centro da cidade em dia de segunda-feira. As pessoas todas na rua, bonitas, alinhadas. Não mais bonitas do que as árvores de natal que tinham na sala de cada casa. E nem mais cheirosas do que as comidas que tinham nas mesas.
E numa fração de segundos de quase 365 dias me vi dentro de um lar doce lar, rodeada de irmãos, cunhados, sobrinhos e uma mãe de roupa nova, todos que eu guardo num frasco, rindo, do lado de uma mesa grande, branca e deliciosa. As comidas tavam numa espécie de desfile food-fashion-week. Tão belas, douradas, exalando seu melhor cheiro numa disputa pra ver quem era a mais apetitosa, deitadas em seus leitos sobre os catiçais. E aliás. Apetitosa não, gostosa mesmo. Gostosa traduz mais a comidas natalina.
E todo mundo se encheu de carboidratos, proteínas, ferro e gorduras saturadas, sem ligar pra nada nem pros culotes, enchendo o coração de alegria de ver todas as criações juntas, cheias de dentes de leite, brincando de distribuir presente e distribuindo muito amor junto da embalagem que vinha com o abraço.
É uma sensação boa, fria-quente, doce-salgada, seco-molhada, blues com samba, onde se acha tudo bom demais, sem querer que acabe e querendo terminar pra amanhã ser do mesmo jeito. Na verdade a sensação não se sabe qual é, só se sabe que tem e eu traduzo como ahhhh.

danielle a.
Damian. Damian morava num casa amarela. Bela casa amarela. Criou seu outro mundo dentro dela. E era verde. Verde como as folhas que cobriam as paredes de fora. Ele era magro. Semblante cinza mas de fios de cobre. Ele criava coisas e isso era de costume. Suas criações não eram lâmpadas, velas ou candeeiros. A alma de Damian era escura, mais escura que sua pupila. Não criou máquinas nem motores, mas gostava de se projetar do jeito que não era. Tinha um espelho grande, mas não sei como se via. E se realmente se via.
Se projetava de acordo com o dia, a hora, a estação ou com a próxima pessoa a quem dirigisse a palavra. No seu mundo verde, Damian não sorria. Não era seu forte. No mundo amarelo, Damian dava seu braço a torcer para os outros apertarem sua mão. Quanto mais seu braço torcia, mais seu sorriso abria, como se fosse um fantoche. Dizia aos quatro cantos da bússola que era feliz. Escrevia folhetins sobre paz, amor e  pregava nos postes o que queria ser.
O coração de Damian tinha mofo. Nas artérias corriam vidros que estilhaçavam seus órgãos como se fosse uma guerra. Damian nunca amou e nunca fora amado.
Tinha o rosto de encaixe. Quando saía do mundo verde vivia num baile de primavera e colocava tudo no lugar. Mas as vezes seu olho caía. Seu nariz descolava. E alguém de longe sempre observava que Damian não era, não foi, nem será.

danielle a.


Quem não quer?
danielle a.
Fotografia, direção e trilha sonora de tirar o chapéu e o cigarro

I'm Not There. Não Estou Lá, em versão brasileira. É uma biografia não tradicional sobre o cantor trapezista e compositor astronauta Bob Dylan. O filme trás Dylan em sua alma de dados, mostrando suas variadas facetas renomeadas, de poeta a pastor, criadas e vividas por ele durante décadas, desde suas músicas folk de vagões de trem até as barulhentas músicas de protesto.
A história é contada por imagens multicoloridamente pretas e brancas que dividem a cena com uma playlist de trilha sonora, escolhida a dedo, complementando fanstasticamente essa fábula visual.
É uma excelente escolha para quem não conhece a vida de Quinn e sua guitarra elétrica, e uma confirmação de uma alma musicalmente perturbada pra quem admira essa gaita fluente de Billy.
É também uma boa oportunidade pra comer uma pipoca com manteiga e tomar um suco de manga bem gelado, esperando as férias chegar.


I'm Not There, EUA, 2007, 129 min.
Direção de Todd Haynes
danielle a.

Uma frota de Audi blindados. Paredes bem pintadas de branco. Sanitários novos. Oitocentos quilos de gelo. Comida Kosher. Treze pessoas. Cem meias-calça. Cem esponjinhas para pó facial e muitos, mas muitos batons.
Isso é apenas um tercinho das singelas exigências de Madonna para cantarolar suas músicas pros seus fans brasileiros.
Tá, tá bom. Eu sei que ela é a rainha do pop. Mas que seja. Sendo rainha do pop, do funk ou do brega, essa pequena listinha me parece um tanto quanto exagerada, não acham? Tudo bem, o Rio de Janeiro é violento e poderia ser que acontecesse um atentado à essa ilustre celebridade loira (vai saber o que Zé pequeno anda planejando por aí), e até se explicam as blindagens.
Mas acredito que no Copacabana Palace as paredes não estejam tão sujas de grude, nem que os sanitários estejam velhos demais para serem usados. Moramos num país tropical sim, mas nada que um bom banho não resolva ao invés de oitocentos quilos de gelo - essa foi a única explicação que eu achei pra tanto gelo, já que as bebidas alcoolicas também estavam proibidas.
E, incrivelmente, a rainha negou a famosa comida brasileira, trazendo sua equipe especial de cozinheiros para preparar uma tal de comida kosher, típica dos adeptos à Cabala, que eu nunca saberia que existia no mundo se não fosse a vinda da loira ao Brasil. Nem se Saci-pererê desse sua perna perdida à Madonna, ela precisaria de cem pares de meia. Por mais espinhas que ela tivesse, duas esponjinhas para pó seriam suficientes pra emassar o rosto de qualquer cidadã dermatologicamente problemática. E por último o maior dos absurdos: poupar a voz pra cantar ainda vai, mas fazer uma lista com apenas treze pessoas que tem carta branca pra dirigir a palavra a popcincostars é demais. Treze pessoas da sua equipe e nada mais. Nada de cariocas, nada de paulistas, nada de brasileiros!
Nada de brasileiros, que fanaticamente se tietaram por horas na frente do hotel esperando um little goodbye da estrela que mostrou, da varanda do hotel, a mais linda vista do mar da praia de Copacabana ao seu filho e não fez a menor questão de mover seu globo ocular pra olhar pra baixo e dar um sorrisinho que fosse, já que o tchau tava difícil de sair. Mas nem tchau, nem sorriso, nem uma estirada de dedo. Nada.
Quer saber o que eu acho disso? Acho é pouco. Os brasileiros deveriam deixar de ser bestas, pelo menos uma vez, se é pedir demais. Ser fã é bom. Mas se até o céu tem limite, estrelismo também tem.E aceitar tudo isso pedindo bis é dose. E de absinto.
Esse tipo de atitude de Madonna só mostra o quanto ela não tá muito preocupada com seus fans não e sim com o cachezinho light que ela vai receber no final do show, que provavelmente só dê pra pagar a conta de água, luz, internet e comprar um pen-drive na 25 de março pra Lourdes Maria salvar seus trabalhos do powerpoint.

Beijomeliga, Madonna.

danielle a.

Com certeza hoje foi a sexta-feira mais linda do ano. A começar pela manhã. O sol já nasceu sorrindo pro mundo, abraçou cada um com seus raios calorosos, luminosos, sem precisar desejar bom dia. As nuvens finas feito linhas brancas e suaves acompanhavam a música que vinha de onde não sei e dançavam junto, no mesmo movimento solar, no mesmo ritmo do vento. A tarde se fez igual, cheia de encanto às cinco horas, a lua cantando pro sol dormir e o sol louvando a chegada dela entre os galhos secos de arvores centenárias, num infinito aveludado de tons azuis claros e escuros, entrelaçados, aquarelados, como se fossem um só, fazendo eu me sentir parte de um cenário de contos.
E a lua cantou, encantou e abençoou a noite mais bonita das trezentos e quarenta e seis noites noites, restando apenas dezenove, que possam ser mais belas ou mais umas entre hoje.
Seu luzeiro era tão grande que as luzes dos postes não se faziam necessárias, tavam ali só pra competir brilho, sabendo que o podium já tinha lugar.
E as pessoas? Ahhh! Compunham o mais lindo cenário noturno central já visto pelas minhas retinas. Parecia um grande desfile de pavões que andavam de acordo com os acordes, cada um com suas penas mais bonitas e bem cuidadas, estampadas no corpo como se fosse um prêmio. Tinham no rosto a melhor alegria que encontraram e se abraçavam como se hoje fosse a última noite, e fizeram dela um baile cheio de graça e cor. Do jeitinho que tem que ser.
E eu li em todas as estampas de gargalhadas e tecidos que hoje é sexta-feira. Linda sexta-feira. Do jeitinho que tem que ser. E é, e foi.


danielle a.

Ali Farka Touré!

Dando uma pesquisada sobre a África, encontrei esse marrom-senhor, de túnica longa e estampada, chapéu na cabeça e óculos a la Joplin, com um sorriso no rosto e uma guitarra na mão tirando um som no mais horroroso por-do-sol africano.
Ele faz uma mistura completamente homogênea do blues (sim, blues) com a música africana tradicional de Mali, terra que germinou uma semente que dá bons sons e frutos a partir de uma guitarra, cabaça e uma bela voz.
O resultado é uma viagem através de solinhos que eletrizam sua alma, percussões que se confundem com seus batimentos cardíacos e vozes que embalam seu corpo levando pra bem longe, fazendo você se sentir com alma africana, em terra africana, com roupa africana, sem nunca ter pisado lá, descobrindo que esse é o verdadeiro sentido da música.


Baixe em http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs.aspx?cmm=6244330&tid=2560957495297612673&kw=ali+farka
danielle a.
E essa tal de natureza é tão minha amiga, que é só fazer um denguinho que ela me manda o céu mais bonito que tem no estoque.

danielle a.
Os ventos dizem Kite - Intermares - Cabedelo


Dois diazinhos de chuva são suficientes pra deixar qualquer alma pessoense aflita e gelada, gritando por dentro ' aaargh, cade o sol?', mesmo tendo reclamado da força dos seus raios a, somente, três dias atrás!
Parece até um absurdo, mas vá...a ligação do sol com a Paraíba é tão forte quanto a ligação materna entre você e a senhora sua mãe. Nascemos pro sol, e isso é tão verdade que o mundo inteiro sabe que ele chega primeiro aqui na minha janela paraibana me dando um abraço de bom dia.
E com esse acalento solar tão gostoso de se acordar todos os dias, fica difícil de se acostumar com um suspiro frio, de vento molhado, no pé do ouvido, na sua mais suave voz dizendo 'levanta, menina'.
danielle a.

Insult to Injury - 2003 - Jake and Dinos Chapman



Olhando um desses livros de capa bonita e chamativa na Siciliano (sem merchandising), um me chamou bem a atenção. Entitulado Art Now - Volume 2, esse livro traz uma listagem de oitenta e um artistas contemporâneos mais conhecidos e digamos que até consagrados dentro dessa linhagem.
Dentre os mais variados nomes, Jake e Dinos Chapman foram os que me fizeram sentar e ler cada palavrinha daquelas poucas páginas dedicadas a esses dois irmãos britânicos que 'causam' com suas artes ousadas e vou te explicar o por que.
Nas esculturas, os Chapman são conhecidos por criarem certas deformações genéticas relacionadas à sexualidade (ooohhh) e na pintura, são os mais criticados por retratarem cenas de guerra e destruição de corpos, o que não é nenhuma novidade no mundo da arte e não entendo o por quê de tanto espanto.
Mas o maior motivo de todas essas criticas às artes vindas dos Chapman foi quando eles fizeram redesenhos das obras de Goya, onde transmutaram militares em soldados nazistas com rostos de palhaço ou macaco. Dando continuidade ao trabalho deles e também às críticas, os irmãozinhos geniais fizeram uma bela aquisição da série Desastres da Guerra, também de Goya, e aí fizeram a festa, só que agora, por cima das próprias obras do espanhol!
Os Chapman também ficaram famosos por outra aquisição, dessa vez de algumas obras de Hitler, onde deram rostos alegres, flores, nuvens, céu e arco-íris psicodélicos às telas, que foram expostas na mostra entitulada 'Se Hitler tivesse sido hippie, quão felizes nós seríamos?'.

Geniais e perturbadores, não acham?



Bem...ao contrário de muitos, não acho que as artes dos Chapman sejam barbáries, profanações nem inutilidades da vida humana, e também não os considero hereges por pintarem os militares de Goya com cabeça de macaco, cachorro ou palhaço, ou darem psicodelia ao céu de Hitler. Ora, a idade média já passou a um bom tempo e não cabe entitular de herege artistas que não fazem nada mais nada menos do que arte, seja ela qual for.
Se o Patrimônio histórico-cultural ou seja lá qual for a entidade que toma conta disso não concorda com esse tipo de arte, não dessem início a comercialização de obras que consideram intocáveis, impagáveis. Mas como etiquetaram de tarja laranja com um valor promocional e puseram à venda, o proprietário da obra tem direitos sobre ela, cabendo a ele desapropriar-se ou não da sua nova compra.
Trancar uma tela em um cofre a sete chaves é privar algo que deveria ser de conhecimento pra todos. Esse desapego e reutilização é tirar as teias de aranha de cima das tintas secas e relembrar que aquilo fez parte da história e que agora traz uma nova releitura, um novo conceito.
Isso faz parte do cenário da arte que compõe o calendário de algumas décadas em diante e ainda falta muito desapego e aceitação à essas novas manifestações artísticas que não sejam tão clássicas e que já não cabem mais na sociedade que nos meteram.
Só falta entender que a medida que o sol gira, a arte muda. E tudo isso em um só compasso.
danielle a.

Cansaço, enfado que cola o olho, que trinca os ossos, que trava as costas e estala os joelhos. Cansaço que dói nos dedos, se traduz nos bocejos a caminho de casa. Cansaço que se faz da caminhada de ida, de vinda, de sempre. Cansaço que pesa na mente e ordena que a gente não faça mais nada.
Presenteia com o sono, todos os dias. Sem ele..descanso bom, te garanto, que nem existia.
danielle a.
Banco de alto de ônibus! O lugar mais desejado por mim, por você, por ela, por ele, por Joana da casa da esquina, por seu Ivan que mora ao lado, por Bernadete que lava a louça todo o dia, por seu Ciro, dono do fiteiro da rua, por Pedrinho filho de Vera e por toda população brasileira, que adora ver o mundo mais de cima.
Sente-se e fique a vontade, acima de todas as coisas.