danielle a.
danielle a.
ultimamente tenho tido vontade de escrever. assim, sem letras maiusculas, acentos. hoje eu fiquei em casa, sabe. ontem sai pra levar chuva e vento, o sereno. ele existe sim. tossi o bastante pra imaginar que meus pulmoes fossem sair pela garganta de tanta tossida que dei. me senti um homem magro da pele enrugada e cinza, com toda a falta de colageno que se pode existir. um desses homens de quarenta e cinco anos que teve de largar cigarro pra nao largar a vida e que tosse muito por isso. é estranho se sentir um homem quando se é mulher, mas sabe, mulheres tem vergonha de tossir de verdade, arrancando o catarro verde do peito; elas sempre dao um jeito pra disfarçar e hoje eu quis tossir de verdade. a sensaçao de cuspir catarro no chao do quintal eh de um alivio brutal. nao se enoje. tenho certeza que voce ja deve ter feito isso escondido.
enquanto eu assistia a tv, ainda de roupa de dormir, a campanhia tocou e era um amigo de longas datas e um grande frequentador da minha casa, que acabara de tomar um banho e veio trocar umas ideias ainda de cabelos molhados. dei um abraço quente-doente e recebi, em troca, um fresquinho, e essa foi a primeira boa troca do dia. as outras foram no terraço, entre cadeira de balanço e vao de porta, e ai falamos sobre o carnaval, as loucuras, confetes, confeitos, musicas, shows, lamas. acho que ele precisava contar isso a alguem de tao divertido que foi. junto ao trio do carnaval vieram assuntos espirituais, espaciais, animais. tudo o que se pode conversar numa tarde de sol escaldante e iluminantemente amarelado, que deixa voce fazendo careta o dia inteiro. falamos sobre beleza feia. o sol se pondo atras dos barracos da favela no morro do bairro ao lado, vermelho-alaranjado, silhuetando os coqueiros, jambeiros e uma torre gigante de telefonia se perdia em meio a tantos fios e postes. ele conseguia enxergar beleza ali.
vi que, realmente, eu nao tava sozinha nessa.
enquanto eu assistia a tv, ainda de roupa de dormir, a campanhia tocou e era um amigo de longas datas e um grande frequentador da minha casa, que acabara de tomar um banho e veio trocar umas ideias ainda de cabelos molhados. dei um abraço quente-doente e recebi, em troca, um fresquinho, e essa foi a primeira boa troca do dia. as outras foram no terraço, entre cadeira de balanço e vao de porta, e ai falamos sobre o carnaval, as loucuras, confetes, confeitos, musicas, shows, lamas. acho que ele precisava contar isso a alguem de tao divertido que foi. junto ao trio do carnaval vieram assuntos espirituais, espaciais, animais. tudo o que se pode conversar numa tarde de sol escaldante e iluminantemente amarelado, que deixa voce fazendo careta o dia inteiro. falamos sobre beleza feia. o sol se pondo atras dos barracos da favela no morro do bairro ao lado, vermelho-alaranjado, silhuetando os coqueiros, jambeiros e uma torre gigante de telefonia se perdia em meio a tantos fios e postes. ele conseguia enxergar beleza ali.
vi que, realmente, eu nao tava sozinha nessa.
danielle a.
danielle a.
danielle a.
não sei não. me parece uma coisa meio estranha. o dia acordou tarde, empoeirado, em paletas cinzas, até as musicas tavam escuras. a chuva tava escura, tudo muito frio e quente, o típico clima da cidade. e foram pinceis, lixa, lixa, pinceis, tinta, lata, tinta, parede, sobe, desce, cadeira, banco, vassoura. argh, isso doeu o nariz. coçou o nariz, agoniou muito. porém o almoço tava gostoso, feijão quentinho, molho, tudo quentinho. a sensaçao foi de reavivamento por ta comendo fogo enquanto o vento frio gritava la fora. o ruim é saber que essa sensaçao dura pouco, poderia comer fogo mais vezes pra me sentir livre dos vírus. a tarde veio de trem, devagar e sempre, quase não chegando, mas chegou macia, deitada...trouxe um filme, eita filme-drama, cheio de cinzas pra combinar com a manhã, cheio de choro pra não combinar com nada. um filme bom, um bolo de milho, uma parede laranja. e nesse meio tempo uma cabeça consegue pensar em duas ou mais coisas ao mesmo tempo. você sabe como é, já deve ter passado por uma dessas, quando se pega olhando pra uma imagem sem saber o que se passa ali, naquela tela, enquanto você vê outra coisa dentro da sua mente. será que isso realmente acontece? acho que sim. é, acho mesmo que sim.
tive a incrivel sensação de uma coisa que, talvez, eu não saiba explicar, mas é assim: você, imbecilmente, imagina algo, um suco, por exemplo. lembra do suco com água na boca, nos olhos, nas mãos. imagina ele gelado e escorregando pela sua garganta, faringe, laringe e todas essas partes de dentro que se aprende na escola. e esse suco te parece a coisa mais agradável do mundo e então você deseja esse copo de alumínio transbordando de suco a todo e qualquer custo. talvez nem tanto, mas quase isso, até que o suco, transbordando de vitamina c, pronto pra dançar no tapete vermelho da sua boca, chega lá e vai. desce tudo, e gela tudo, e quando chega no estômago você percebe que aquilo não caiu tão bem, e que talvez, essa laranja estivesse machucada e ninguém percebeu antes de bater no liquidificador.
danielle a.
A história que te conto, debaixo dessa árvore, é de um menino, doce menino, salgado menino, amargo menino. Possuidor de vários cabelos, camisetas estampadas e agora as desestampa. Antes, no tempo das passagens baratas, da vida fácil, do livro fino e do vinho de quinta, tinha a voz ora grossa ora fina, bigodes verdes, canelas delgadas e lisas. Não se importava com as menininhas, fazia do desodorante um perfume, não tinha apurado nenhum dos sentidos. Tempos adolescentes. Mas o ponteiro, de crueldade, correu logo, rápido, depressa, declive no leito fluvial, e agora, de bigodes que espetam tua boca, de tão mal-feitos ou de tão sem-tempo. Uma mão de cinco dedos, ganha outro de papel, que se acende e se apaga igual suas esperanças. Com alma de malfeitor, descrê no que cria e agora escreve e descreve.
São os tempos dos livros de bíblia, óculos espelhando a retina, sem relógio nos pulsos pra não ver o tempo passar tão rápido assim, descaradamente, cretinamente, ora. É descarado, mas com ar envelhecido feito whisky, pra dar mais credibilidade às palavras faladas, já que ainda não tem os cabelos cinzas. Se encosta na varanda pra sentir o cheiro de amaciantes florais, feijão, sabão em pó e de café quentinho, destinguindo um por um.
Ganhou coragem, tato, bigodes escuros, barriga, melhorou a cutis. Ganhou uma enciclopédia, perfume, caixa de música, cordas de guitarra, latas de cerveja onde enlatou suas próprias idéias, após embebedar-se nelas. Perdeu pulmão, fígado, fé e o coração, que foi deixado homeopaticamente em várias partes, dentre as pernas das moças jovens, jovens frutas suculentas, agora sempre devoradas, com ou sem mini-saias.
Aprendeu a amar que nem poeta e quando senta, cruza as pernas e pensa cretinagem. Calado.
danielle a.
Se duplicando dá pra ver de dois sem óculos. De dois, vê de quatro e de duzentos, quatrocentos. O que é bom agora é bom duas vezes, melhor ainda, sendo assim. Seria bicicleta de quatro rodas, carro de oito pneus, binóculos que é bi agora é tetra, cadeira de oito pernas, gente de quatro pernas e o que mais quatro pernas teria?
Um nariz que é bom agora são dois, ouvidos seriam quatro outra vez, talvez quem goste desse papo é o lobo-mau, que ao invés de uma, iria jantar a vovozinha duas vezes. Se deu bem.
E o abraço? Todo abraço ia ser de Shiva, ombro pra chorar é o que não falta, se tinha dois, agora duplica, por favor Seu quatro olhos, quanto é que essa conta fica?
Eita! Agora vem a parte boa. Vinte bolas de sorvete, vinte pães a dois reais, meia dúzia agora é uma e por aí vai. O que não ia dar muito certo nessa duplicação toda, é que ao invés de dupla sertaneja seria quarteto, se um já incomoda, quatro de uma vez...
ih...
fodeu.